No DiEM25, falamos muito sobre a austeridade. Publicamos artigos que criticam a austeridade, desafiamos esta ideologia com o nosso New Deal Europeu. Combatemos a austeridade nos seminários e votamos em políticos que estão contra a ideia.
E, no entanto, parece que nos falta uma peça fundamental deste quebra-cabeças: a austeridade também é uma questão feminista. Após a crise financeira de 2008, muitos governos europeus impuseram medidas de austeridade, sendo obrigados a fazê-lo pela “troika”, ou muitas vezes por razões de ideologia. Os impactos catastróficos dessas medidas estão bem documentados, mas o que às vezes está ausente da análise é como a austeridade afeta os homens e as mulheres de maneiras muito diferentes e a níveis muito diferentes.
Risco Triplo
As mulheres são afetadas pelo chamado “risco triplo ” da austeridade. Primeiro, as mulheres tendem a ser mais dependentes do estado em termos de segurança social do que os homens, devido à desvantagem económica pré-existente. Os subsídios, incluindo as isenções fiscais, constituem uma proporção maior de renda das mulheres, devido, em parte, ao seu papel (de forma geral) como prestadoras de cuidados familiares.
Em segundo lugar, em toda a Europa, as mulheres constituem entre 60% a 70% dos funcionários do setor público, tornando-as mais vulneráveis ao congelamento de salários e aos despedimentos no setor público.
E em terceiro lugar, onde os serviços públicos sofrem cortes é onde as mulheres sofrem mais, especialmente no que se refere à prestação de cuidados e ao trabalho doméstico. Entre 2010 e 2015, o atendimento social no Reino Unido foi reduzido em 23% e os cuidados infantis em quase 20%. Nos casos em que as mulheres compensam esses cortes, o seu acesso ao trabalho remunerado é reduzido, tornando-as mais vulneráveis à insegurança financeira e à pobreza.
No Reino Unido, estima-se que 80% do peso dos cortes incidem sobre as mulheres, especialmente sobre as mulheres que menos podem pagar. Entre 2020 e 2021, as mulheres no Reino Unido terão, em média, uma redução de 2,5% na renda líquida (comparado com 1,3% para os homens) e uma mulher asiática, no terço mais pobre da população, perderá o equivalente a 11,5% do seu rendimento líquido (uns incríveis 2.320 €).
Existem outras ligações entre género e austeridade. Em 2013, a Conferência Internacional do Trabalho registou a “anulação [da] natureza vinculativa obrigatória dos acordos coletivos” na Grécia. Aqueles que foram prejudicados por tal anulação são aqueles com empregos precários (trabalho temporário ou a tempo parcial), que são invariavelmente mulheres. Enquanto isto decorre, os cortes nos impostos sobre o rendimento e as reduções no impostos para as empresas favorecem os assalariados com valores mais elevados – geralmente os homens – enquanto que os aumentos no IVA atingem as mulheres e as pessoas mais pobres, uma vez que uma maior proporção da sua renda é gasta no consumo.
A austeridade como reflexo da discriminação em função do género
A austeridade é uma questão moral, pois corrói os esforços feitos para emendar a desigualdade em função do género, às quais todos os Estados da UE estão legalmente comprometidos. Para além da dimensão moral, a austeridade é pura e simplesmente uma má política.
A professora da LSE, Diane Perrons, observa que “a suposição implícita de que as políticas económicas são exclusivamente destinadas a criar riqueza, enquanto que as políticas sociais, inclusivé as políticas em favor do fim da desigualdade, são apenas re-distributivas, precisam ser desafiadas”.
Quando os países gastam a sério em tempos de crise, geralmente investem em projetos de infra-estrutura ( o que inclui os salários dos trabalhadores), uma vez que esta despesa permite ultrapssar os limites da dívida pública e as condições do déficit do Pacto de Estabilidade e Crescimento (SGP).No entanto, as despesas do setor público são consideradas parte das “despesas” e, portanto, estão sujeitas às condições do SGP. Investir na infra-estrutura social produz benefícios a longo prazo, como uma força de trabalho mais bem formada e mais saudável, a esta diferenciação demonstra o enviesamento deste tipo de política económica no que toca ao género.
Na verdade, o investimento em cuidados sociais gera maiores ganhos económicos e sociais do que o investimento em infra-estruturas. Estima-se que o investimento de 2% do PIB na indústria de cuidados geraria o dobro de empregos em comparação com um investimento equivalente na construção. Esta medida resultaria em quase um milhão de novos empregos na Itália, pouco mais de dois milhões na Alemanha e 1,5 milhões no Reino Unido. Se considerarmos que a prestação de cuidados é uma indústria com baixa emissão de carbono e que apoia a transição para uma economia de baixo carbono, fica claro que a prática económica atual está limitada por preconceitos sobre o “valor” dos diferentes tipos de trabalho.
Então, quando queremos falar sobre austeridade, não podemos vê-la como um abuso com impactos gerais. Desafiar a austeridade requer o reconhecimento da componente do género, bem como o desenvolvimento de políticas que reconheçam a importância do investimento social para a sociedade como um todo.
Kate faz parte do CED Gender Equity do DiEM25 1. O CED temático sobre Equidade de Gênero foi criado para abordar questões relacionadas com a economia de prestação de cuidados, os direitos das mulheres na Europa e equilíbrio de géneros dentro do DiEM25. Se gostaria de estar envolvido neste CED temático, ou para mais informações, envie-nos um e-mail.
Imagem: Wilfred Hildonen (Comunicações DiEM25)
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