de DiEM25 membro João Fialho
“O Posto de Comando do Movimento das Forças Armadas constata que a população civil não está a respeitar o apelo já efetuado várias vezes para que se mantenha em casa.” – Comunicado do MFA às 10h30 do dia 25 de Abril de 1974[i]
Como hoje bem sabemos, às vezes é preciso mantermo-nos em casa. Soube-o o povo português em março de 2020 muito antes do governo. No dia 25 de Abril de 1974 “a população civil” sabia também muito bem que o que era preciso naquele momento era ir para a rua. E fê-lo ao longo de um ano e meio, durante o qual o país viveu uma autêntica revolução social, hoje menorizada quando a qualificam de “transição”. Pouco se fala do que verdadeiramente aconteceu: uma revolução social seguida da contrarrevolução que a reprimiu e que culminou a 25 de novembro, apesar de haver hoje em dia quem queira celebrar essa repressão da democracia. Mas foram 19 meses de libertação, de democracia popular e local nunca antes vista em Portugal, uma utopia concreta na qual moradores, trabalhadores, mulheres e comunidades tomavam o controlo das suas vidas e rejeitavam “apelos”. “Primeiro fazem-se plenários e depois é que se cumprem as ordens”[ii], dizia a figura da autoridade da altura. Quando caiu o “cumprir as ordens”, quando uma parte significativa dos soldados percebeu que quem “ordena” é o povo, a situação tornou-se intolerável. Ficou então suspensa a revolução e iniciou-se uma transição para uma democracia liberal, encabeçada pelo partido que, financiado pela CIA[iii], recuara nas suas promessas de revolução e socialismo. Mas e o povo? “O povo é sereno”[iv], dizia a mesma sumidade.
Mas não, o povo não é sereno nem nunca o será. E o povo também não é quem mais ordena. O povo é quem percebe que só é livre quando a sociedade funciona sem ordens. É isso, afinal, a democracia. Durante esse ano e meio os trabalhadores ocuparam os locais de trabalho, em empresas tão “estratégicas” como a Lisnave e a TAP[v]. Ensinaram aos “gestores” o que é a autogestão, aos administradores o que são comissões de trabalhadores. A população construiu e ocupou casas, e ensinou às administrações locais o que são comissões de moradores. Os soldados auto-organizaram-se e ensinaram aos capitães o que é estar ao lado do povo[vi].
“Democratizar, descolonizar e desenvolver” não é nunca um processo que termine. Há muitas mais organizações por democratizar, muito mais espaço por descolonizar e só assim conseguiremos avançar no desenvolvimento humano. Democratizar a produção e o trabalho, em cada empresa, em cada administração, saneando patrões, administradores e acionistas que não trabalhem. Democratizar a habitação em cada bairro, em cada comunidade, expropriando fundos imobiliários abutres e devolvendo as casas às pessoas. Democratizar o consumo e a distribuição, interligando grupos locais de consumo e de ajuda mútua, como a pandemia que vivemos tão bem nos tem ensinado. Democratizar a produção energética e descolonizar a exploração do ambiente, envolvendo as comunidades locais na transição energética tão urgente. Descolonizar os sistemas de alimentação, desmantelando cadeias de abastecimento internacionais de agricultura intensiva e desenvolvendo circuitos curtos alternativos de abastecimento, agroecológicos e comunitários. Descolonizar a família e as relações sociais, libertando todas as pessoas das amarras do conformismo e tradicionalismo e celebrando a diversidade e tolerância.
E desenvolvamos, então, neste dia em que lembramos um período em que tudo era possível, a capacidade de imaginação, a confiança na autodeterminação e o desejo de liberdade e solidariedade que cada pessoa tem dentro de si. Há tanto por fazer!
Hoje, 25 de Abril de 2020, quando olhamos para o abismo económico que se aproxima, ficamos em casa mas sem medo porque continuamos a imaginar a revolução que nunca pára, a revolução não-violenta que carregamos dentro de nós e que levaremos às ruas quando chegar o momento. Mantemo-nos em casa, por agora…
[i] Centro de Documentação 25 de Abril – http://www1.ci.uc.pt/cd25a/wikka.php?wakka=mfa1
[ii] Pinheiro de Azevedo, 20 de Novembro de 1975 – https://youtu.be/6DB42QUJYSM?t=28
[iii] New York Times, Jan. 7, 1976 – https://www.nytimes.com/1976/01/07/archives/cia-funding-in-europe-said-to-go-back-3-decades.html
[iv] Pinheiro de Azevedo, Novembro de 1975 – https://youtu.be/BecQHSWajFw?t=31
[v] Ver, por exemplo, Tiriba, L., Faria, M., & Novaes, H. (2018). Cenários de Autogestão em Portugal: o processo revolucionário em curso (1974-1975). Uberlândia, Minas Gerais: Navegando. – https://www.marxists.org/portugues/tematica/livros/cenarios/cenarios-da-autogestao-em-Portugal-PREC.pdf
[vi] Ver, por exemplo, Varela, R. (2014) A História do Povo na Revolução Portuguesa. Lisboa: Bertrand Editora.
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