Há uma acirrada discussão a acontecer que começa no debate político na televisão, passa pelos jornais e vai até às redes sociais para morrer num fio infindável de mensagens com insultos. Por vezes surge o argumento de que devíamos olhar para os modelos económicos de países pelo mundo, ver os resultados em termos de riqueza e desenvolvimento, e com base nisso adaptar a nossa própria visão sobre a economia para chegar (ou fugir) a esses resultados. No meio disso começa um bizarro jogo de quiz em que se tenta adivinhar que países são socialistas ou liberais, sociais democracias ou infernos neoliberais, com respostas diferentes a cada iteração do jogo. O que não é mencionado é porque é que atribuímos estes nomes e que conotação carregam. Mas o seu significado pode ser tão variado entre quem o ouve que podemos estar a dizer coisas inteiramente distintas a pessoas diferentes.
Esta tática retórica é um padrão do discurso da direita. E a conotação normalmente é moralizada: há os bons e os maus. Os ditadores são socialistas, e os líderes do mundo democrático, liberais. Cria-se uma dicotomia no discurso entre a liberdade e a falta dela, ligada aos nomes dos modelos/sistemas económicos com o intuito de envenenar o discurso. Mas o discurso já está envenenado há muito tempo por métricas e índices que falham consistentemente em medir liberdade, realização pessoal e qualidade de vida. O que estas métricas nunca falham em medir é quão facilmente as classes dominantes conseguem multiplicar o seu capital.
Mas no que estas análises falham, é que todos os países dos quais falam, desde a Suíça até à Venezuela, adaptaram alguma forma de sistema capitalista com algum nível de estado social e regulação estatal. Não significa isto que todos os sistemas económicos sejam iguais, mas que, globalmente e em termos gerais, a propriedade privada é privilegiada e protegida. E este viés faz-se sentir na consequente desvalorização do valor do trabalho em relação ao capital [1]. A recente crise inflacionista mostra precisamente isto. Taxas de inflação superiores aos aumentos salariais causam perdas reais para quem vive dos seus rendimentos. No entanto continuamos a observar crescimento do PIB e lucros recorde para os grandes retalhistas e petrolíferas. Observamos que a porção da riqueza produzida que vai para os trabalhadores vai diminuindo. A fatia que vai para o capital cresce.
O poder económico do capital está a minar a democracia através do lobby. A liberdade de associação através do anti sindicalismo. Os direitos básicos humanos com a progressiva privatização de setores essenciais como água, energia, transportes ou da financeirização de setores como habitação. O papel do estado, que deveria ser o de garantir esses mesmos direitos, é apenas o de assegurar que esta máquina trabalhe oleada. Aqui a pergunta coloca-se: qual a causa do aumento da fatia de riqueza que vai para as elites capitalistas e que mina a nossa liberdade? A resposta está no enfraquecimento do poder negocial dos trabalhadores [2, 3] com vários estudos a apontar para a preocupante queda da sindicalização como razão pela qual o poder tem fluído de baixo para cima.
Mas apesar de apoiarmos fortemente a sindicalização dos trabalhadores e a luta por melhores direitos laborais, temos de ir além disso e pensar em alterar o sistema que sabota constantemente a nossa democracia e liberdade e atacar a raiz do problema. No DiEM25 temos debatido e imaginado os moldes de uma nova sociedade pós capitalista [4], sem donos e com uma democracia participativa e saudável. Uma das ideias interessantes para essa sociedade, inverte completamente o sistema capitalista, retirando o poder dos donos e colocando o poder de decisão nos trabalhadores: as cooperativas de trabalhadores.
Teorizadas nos primórdios do anarco-sindicalismo, estas estruturas funcionam através de democracia interna dentro das empresas, dando a cada trabalhador uma participação igual (uma ação, um voto mas não necessariamente a mesma remuneração). Afinal de contas, se contamos com a democracia para os nossos sistemas governativos, porque aceitamos tirania nas empresas, onde passamos tanto ou mais que um terço da nossa vida?
Os críticos da ideia dizem que se toda a gente tiver esse poder escolherá receber mais e trabalhar menos. Mas isto não só é uma visão que assume as pessoas como seres egoístas que trabalham contra o seu próprio interesse no longo prazo, como é comprovadamente falsa. Estudos sobre cooperativas de trabalhadores mostram que estas são tão produtivas [5] como empresas tradicionais e têm mais flexibilidade em reduzir os salários dos trabalhadores em épocas de crise [6] (recorrendo menos a despedimentos). O envolvimento dos trabalhadores não só nas decisões das empresas mas também na distribuição dos seus ganhos, evita o alienamento do trabalhador com os frutos do seu trabalho e cria um grau de compromisso muito difícil de observar em empresas convencionais. De notar que todos estes benefícios foram observados numa sociedade que favorece fortemente o individualismo e o capitalismo. Mas a nossa natureza é a da cooperação!
Numa sociedade pós capitalista, assente na solidariedade, cooperação e democracia, não haverá espaço para a concentração de poder nas mãos de poucos.
O capitalismo mostra-se ineficiente a responder à crise climática que criou enquanto negligencia as necessidades básicas das populações mais vulneráveis. Sabemos que não teremos tempo para criar esta sociedade antes do colapso climático, mas podemos trabalhar juntos numa visão para a nossa economia, e desenhá-la de raiz para servir a liberdade e realização pessoal de cada um de nós.
Aparece no nosso debate: Economia e Liberdade – Podemos ser livres num sistema capitalista na segunda, 8 de maio às 20h30 .
E se te identificas com a nossa luta junta-te ao DiEM25!
Pedro Pontes
pelo DiEM25 em Portugal
[1]https://www.epi.org/productivity-pay-gap/
[2]https://visao.sapo.pt/exame/analise/analise-inconsistenciaproblematica/2020-11-24-salarios-sindicatos-e-covid-19-como-a-pandemia-pressiona-o-poder-dos-trabalhadores/
[3]https://www.brookings.edu/wp-content/uploads/2020/12/StansburySummers-Final-web.pdf
[4]https://diem25.org/meta-cpc/
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