Ao crescer em Portugal, já umas boas décadas após a Revolução de Abril, vemos por toda a parte uma atribuição de um poder quase divino, magnânimo e manifestamente icónico a esta data, à celebração definitiva da liberdade. Em crianças, ouvimos e escutamos atentamente as histórias que nos são contadas, como se fossem lendas de antigos heróis e monstros – o regime salazarista e opressor, os capitães a planear o golpe final, o “Depois do Adeus” e “Grândola Vila Morena” a passar na rádio, sinalizando os raios de esperança nos corações portugueses, os tanques a subir as ruas, o povo eufórico e em êxtase a acompanhá-los, os sorrisos e abraços, o eterno cravo pendurado na ponta das espingardas. E acima de tudo, o sentimento e a realização do valor que resistia em todos – a Liberdade.
Ao amadurecermos e tornarmo-nos em jovens adultos, com as nossas ideias e nossos valores, talvez olhemos para Abril de forma diferente. As histórias e lendas dos heróis continuam lá, no nosso subconsciente, como um alicerce fantástico de uma estrutura material de eventos que se foram concretizando e que cada dia que passa vamos apercebendo-nos melhor as conquistas que foram – o direito ao voto para todos, o direito à greve e sindicalização, o direito à educação e cuidados básicos de saúde, uma democracia funcional e para todos. E ao olharmos para esta realidade mais material que Abril nos trouxe, novos heróis surgem, heróis mais políticos, heróis que concretizaram as conquistas da revolução, heróis que nem humanos são, mas sim sistemas com que podemos contar.
Contudo, olhar para Abril nesta ótica é ter o respeito e admiração para o que foi conquistado, mas ter a audácia e coragem de apontar o que está por cumprir. Efetuar um escrutínio sobre o que a Liberdade nos trouxe e o que ainda falta trazer, é analisar o percurso histórico e a realidade do presente, em Portugal. Meio século de fascismo trouxe a Portugal a perpetuação e fetichização da pobreza, a repressão política e ideológica, a opressão cultural e social, presos a uma ideia vazia de um país modesto, conservador e tradicional. O isolacionismo socioeconómico, as tendências imperialistas do colonialismo sangrento e a opressão dos direitos mais fundamentais inspirou a Revolução dos Cravos, como a conhecemos.
Décadas mais tarde, conquistas como o Sistema Nacional de Saúde e educação para todos, fazem-nos admirar com firmeza o que arrojo daqueles que tanto lutaram, nos trouxeram. Vivemos num país democrático, onde as nossas liberdades estão asseguradas e onde temos uma dignidade imensamente superior á que nos era permitida durante Estado Novo.
Todavia, a luta por um país verdadeiramente democrático, nas várias esferas, é uma necessidade incomensurável. As falhas nas estruturas do capitalismo e da globalização financeira incidem tremendamente sobre Portugal, que se mantém, apesar das conquistas, como um dos países mais pobres da Europa. As crises financeiras que assolaram a Europa tiveram consequências terríveis para Portugal, que foi subjugado ao neocolonialismo de Bruxelas, cuja austeridade arrasou uma grande parte dos Portugueses. Em várias vertentes, olhamos para o país e entendemos onde a democracia nos falhou e onde a verdadeira Liberdade ainda carece. O direito à habitação é corrompido pela liberalização dos mercados do imobiliário e a especulação. O direito ao emprego, a democracia no trabalho e a justiça salarial ainda é uma realidade distante, em prol dos sistemas de desregulação laboral e da capitalização dos grandes setores. O investimento em infraestruturas, na saúde, nos transportes, no espaço público é fraco e ignorado. O acesso à educação mantém-se desigual e determinado pela posição de cada família. A classe política é isolada, a corrupção e nepotismo nas nossas assembleias tornaram-se infelizmente realidades do dia-a-dia. Estes, e muitos outros aspetos, são os duros caminhos da Liberdade, por um Abril que está por cumprir.
Quando me juntei ao DiEM25, vi neste projeto propostas e campanhas que convergiam com os valores da Revolução do 25 de Abril. A luta pela habitação digna para todos, a negação dos grandes interesses oligarcas no rumo político dos países, a transparência e participação de todos na esfera política, o empenho por um mundo livre de exploração e mais igual, justiça ambiental e o fim das subversões plutocratas e das armadilhas da dívida. A revolução de Abril aponta também por um Portugal independente dos mercados financeiros, que posicione a vida do seu povo efetivamente em primeiro lugar. A democratização não pode passar pelas urnas – tem de ocorrer no local de trabalho, no acesso à habitação, saúde e educação, independentemente do estatuto social de cada um.
No dia 25 de Abril de 1974, o tocar dos primeiros acordes das músicas sinalizadoras, o som da marcha dos capitães, as euforias populares e esperançosas nas ruas iniciaram uma grande mudança num país atrasado, para um país livre e democrático. Contudo, Abril é mais do que as mudanças que trouxe – Abril é um sonho de uma sociedade diferente daquela que vivemos. Uma sociedade livre e onde o poder de decisão passa por todos. Onde cada indivíduo seja mais do que uma máquina de trabalhar e de comprar. Onde todos podemos lutar por um mundo que possa oferecer a cada um verdadeiras oportunidades para realização pessoal.
A revolução de Abril torna-se assim mais do que um puro símbolo democrático. De cravo na mão e punho erguido, Abril é a esperança por um mundo mais justo, onde a cada um é proporcionada a possibilidade de verdadeiramente sermos mais livres e felizes.
Fotografia do arquivo do DiEM25.
João Oliveira é membro do coletivo de Setúbal do DiEM25.
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