As vicissitudes de uma política assente na loucura do crescimento económico desenfreado
por Hans Christian August Eickhoff
No dia 8 de janeiro de 2019, o Governo Português assinou um acordo financeiro com a VINCI Airports, concessionária da ANA – Aeroportos de Portugal, que explora todos os aeroportos nacionais. O acordo financeiro assinado com a multinacional francesa visa a expansão da capacidade do Aeroporto Humberto Delgado em Lisboa e conversão da Base Aérea nº 6 (BA6) no Montijo num aeroporto civil para atingir o objetivo de 72 movimentos por hora no hub de Lisboa (48 movimentos por hora em Lisboa e 24 movimentos por hora no Montijo), quase duplicando a capacidade atual de 38/40 movimentos por hora. O acordo financeiro inclui um investimento de 650 milhões de euros no Aeroporto Humberto Delgado e 500 milhões no futuro aeroporto civil no Montijo, bem como 156 milhões de euros como compensação à Força Aérea e na construção de novos acesso entre o futuro aeroporto e a Ponte Vasco da Gama, num horizonte temporal que se estende até 2028. Nada se sabe sobre o valor do património do Estado Português (terreno, instalações e pistas existentes na BA6) que são cedidas à ANA / VINCI até 2062.
Embora o Primeiro-Ministro António Costa afirmasse que existiria um largo consenso na população portuguesa relativamente à necessidade do aumento da capacidade aeroportuária em território nacional e nomeadamente na região de Lisboa, nos últimos anos o assunto não tem sido publicamente discutido com a profundidade necessária. Durante a cerimónia de assinatura do acordo, o protesto teve que ficar na rotunda de acesso à base aérea e reuniu aproximadamente 60 pessoas, na sua maioria membros da Plataforma Cívica Aeroporto BA6-Montijo Não, uma associação local ativa desde junho de 2018. A plataforma reúne motivações díspares em relação à sua oposição a um aeroporto civil no Montijo, desde preocupações ambientais e sanitárias até a segurança aeronáutica e ao desejo de ver construído um aeroporto ainda muito maior noutro local como por exemplo no Campo de Tiro de Alcochete, a pouco mais de uma dezena de quilómetros de distância. Poucos foram os manifestantes que se opunham a qualquer aumento da capacidade aeroportuária em qualquer local, exigindo antes a revisão de um modelo de desenvolvimento baseado na queima de combustíveis fósseis numa desesperada tentativa de manter a ideologia do crescimento económico desenfreado, mesma perante a catástrofe climática iminente.
Os motivos da assinatura do contrato numa altura em que ainda se aguarda pela avaliação ambiental do projeto são nebulosos. A associação ambiental ZERO já reclamou a necessidade de uma avaliação ambiental estratégica para o conjunto dos dois empreendimentos em Lisboa e no Montijo tendo desde já apresentado queixa junto da Comissão Europeia. Considera ainda que o Governo está a tentar implementar uma política do “facto consumado” exercendo uma pressão inadmissível sobre a Administração a elaborar o estudo de impacto ambiental referente a uma zona de avifauna sensível como é o estuário do Tejo. Ações jurídicas nos tribunais nacionais estão a ser ultimadas.
No entanto, as críticas em relação ao aumento da capacidade aeroportuária são muito mais abrangentes tendo em conta a catástrofe climática iminente e o papel da aviação como grande emissor de gases com efeito de estufa. De acordo com a organização não-governamental “Stay Grounded”, existem em todo o mundo mais de 1200 projetos de ampliação ou construção de aeroportos que servem sobretudo os interesses corporativos de grandes empresas. Está por explicar como o Governo Português quer justificar a flagrante contradição entre o Roteiro para a Neutralidade Carbónica em 2050 cuja versão preliminar acabou de publicar e o investimento no aumento da capacidade aeroportuária. Mesmo que o transporte aéreo e marítimo tenham ficado fora dos acordos de Paris, não é admissível que se tomem decisões que violam o espírito dos acordos assinados com a maior das ligeirezas.
Contudo, não nos podemos esquecer que com obras de menor dimensão o número de passageiros no Aeroporto de Lisboa quase triplicou nos últimos 15 anos tendo sido quebrado a barreira dos 10 milhões de passageiros anuais pela primeira vez em 2004 e a barreira dos 20 milhões em 2015 atingindo um máximo em 2018 com 29 milhões de passageiros. Os efeitos nefastos desta explosão do tráfego aéreo são sentidos a todos os níveis. A “turistificação” do centro de Lisboa com a construção de hotéis e transformação de núcleos habitacionais no chamado “alojamento local” provocou a expulsão de muitos lisboetas das suas casas, por um lado devido a despejos devido à alteração do regime de arrendamento urbano (“Lei Cristas”) e por outro lado devido ao aumento incomportável das rendas ou do preço de aquisição de habitação. A quota de alojamento local chegou a atingir mais de 40% das camas existentes em algumas zonas históricas da cidade tendo sido suspensa a autorização de novas unidades nas zonas mais afetadas.
As consequências perniciosas do tráfego aéreo em relação à saúde da população residente na proximidade de aeroportos têm sido silenciadas com mais ou menos sucesso. No entanto, estudo científicos demonstraram maior morbilidade e mortalidade do foro cardiovascular em pessoas expostas regularmente a níveis de ruídos elevados provenientes de aviões a aterrar ou, sobretudo, a levantar voo, para além de alterações de aprendizagem na população estudante, muito exposta em Lisboa pela localização de escolas e universidades no corredor predominante de aproximação dos aviões. Outro efeito prejudicial da aviação sobre a saúde prende-se ainda com a poluição atmosférica provocando um aumento das doenças respiratórias. Possivelmente, em Lisboa os protestos contra o aumento exponencial do tráfego aéreo nos últimos anos não têm sido mais visíveis porque o corredor de levantamento de voos com os ventos predominantes do quadrante norte, com níveis de ruídos mais elevados, se situa fora da cidade de Lisboa, no concelho de Loures, nomeadamente na zona de Camarate, habitada predominantemente por uma população migrante, pobre e socialmente desfavorecida.
O CED de Lisboa é solidário com os movimentos de protesto que começaram a surgir contra um projeto megalómano e insano que coloca os interesses económicos de grandes empresas acima da saúde e bem-estar da população afetada. Revê-se particularmente nas posições do movimento para o Decrescimento que questiona de forma mais radical um modo de vida ecologicamente insustentável e socialmente destrutivo baseada na filosofia do crescimento económico desenfreada e a sua vertente mais destacada, o capitalismo neoliberal (ver também ). Já hoje a pegada ecológica das sociedades industrializadas excede em muito os recursos não-renováveis da Terra e a sua capacidade de suporte para o lixo e a poluição resultantes de elevados níveis de consumo de bens e serviços que, sem satisfazer as necessidades materiais básicas de uma grande parte da população mundial, sujeitam a maioria à servidão de empregos alienados, num ritmo alucinante de deslocações e em disponibilidade permanente para o empregador, para sustentar a volúpia devoradora de um monstro chamado “crescimento económico”, dos seus acólitos, e dos beneficiários que se deslocam preferencialmente em aviões privados para fugir para os seus refúgios idílicos e (ainda) não afetados pela catástrofe climática iminente que se abate em primeiro lugar sobre os mais pobres e desfavorecidos.
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