Como um sonho acordado

Como um sonho acordado¹
Parece haver um despertar de uma nova consciência coletiva. Se “vemos, ouvimos e lemos”, hoje, fazemo-lo em muito maior quantidade e “não podemos ignorar”² que o passar dos anos tem colocado à superfície o pior daquilo que podemos ser enquanto espécie.
Ou porque quando ocupando a sua cadeia produtiva e distributiva em vários espaços, sob lógicas de concorrência do mercado, os lucros são tributados numa só região, ou porque quando a riqueza produzida está dissociada dos malefícios que pode ter sobre o ambiente, ou porque quando produzindo em excesso deixa, ao mesmo tempo, milhares de milhões de pessoas à fome, não podemos considerar que, com o conhecimento já produzido, este modelo nos sirva e seja, portanto, o ideal.
Se a globalização trouxe desafios também nos deixou pontas soltas para que as possamos agarrar e perceber o que, seja aqui ou noutro qualquer lugar, já muitos perceberam: se nos fecharmos em nossos estados não poderemos nunca resolver um problema que diz respeito a todos.
Não será divididos que encontraremos a força necessária para remar para o desconhecido onde “irmão não lute contra irmão, em que as forças não se gastem na concorrência em lugar de se unirem para a produção cada vez mais abundante e melhor, e em que a fraternidade cristã”, ou qualquer outra, “não seja uma palavra vazia, não distingue corporativismo de cooperativismo, socialismo de capitalismo, mas distingue muito bem fome de comer, vestir-se de andar nu, ter casa de se abrigar em latas, ser independente e digno, de ser humilhado e ofendido e tão magoado pela agressão e como pelo paternalismo”³.
Não são só as guerras que quando nos unirmos imediatamente pararão – esse cessar fogo não reparará todo o mal feito – como podemos às gerações vindouras dar-lhes um futuro cujo passado os ascendentes não conheceram. Como, também, não podemos aceitar esse comércio que tudo externaliza, além das bombas e da poluição, o nosso lixo, aproveitando os recursos, também, do trabalho indigno, mantendo a porta de casa o mais fechada possível e sem nunca deixar lá uma mão com força suficiente para os levantar.
A educação tem largado soldados impreparados para um futuro próspero. Têm que ser os alunos os autores e criadores da sua educação para que se preparem como melhor acharem na medida do que precisam e do que acreditam. Só realizados contribuirão para sociedade que tanto tem de desconhecido por percorrer e que quanto mais juntos mais iluminamos o caminho.
Se todos tivessem que comer e casa e não um barraco, mas com todas as condições que lhes permitam ter saúde suficiente para se educarem e se realizarem, transformando o tecido produtivo o mais eficiente possível, para que o homem se dedique a si e aos outros e não seja esse o privilégio de apenas alguns, será então o ideal.
“Mas antes da paz vem a justiça
Vem uma mesa redonda cheia de comida
Onde os filhos dos escravos e dos donos se sentem em harmonia
Comem e bebem em alegria, até nascer um novo dia”4
 
¹ em “Como um sonho acordado” de Fausto Bordalo Dias
² em “Cantada da Paz” de Sophia de Mello Breyner
³ em “Educação de Portugal” de Agostinho da Silva
em “Versos que atravessam o Atlântico” de Allen Halloween
Imagem: “O quarto Estado” de Giuseppe Pellizza da Volpedo

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