No seu livro de 2012 Katrine Marçal faz a seguinte pergunta, de forma aparentemente frívola: “Quem cozinhou o jantar de Adam Smith ?”1
Smith notou que não era “da benevolência do talhante, do cervejeiro ou do padeiro que esperamos o nosso jantar, é apenas um resultado do seu próprio interesse”. Por outras palavras, o talhante apenas forneceu a Smith um bom bife suculento porque tinha algo a ganhar com isso. O que falta nesta história é quem preparou esse bife.
Marçal notou que Adam Smith viveu a maior parte da sua vida adulta com a mãe, logo é bastante provável que tenha sido ela a cozinhar o jantar. Este facto não entra na teoria de Smith pois é trabalho não remunerado, invariavelmente realizado por mulheres, que não é reconhecido na economia convencional da mesma forma que o trabalho remunerado. Na verdade, as mulheres estão muitas vezes ausentes do discurso económico.
Hoje em dia na UE 72% dos homens (entre 15 e 64 anos) e 61% das mulheres realizam algum tipo de trabalho formal. Este é o trabalho que é reconhecido pela Comissão Europeia e pela OCDE, é o que é contabilizado para o PIB. Mas estima-se que, todos os dias, as mulheres nos países da OCDE realizam mais 272 minutos de trabalho não remunerado (4,5horas), em comparação com os 138 minutos (2,3horas) realizados pelos homens.
Curiosamente, tanto os homens como as mulheres realizam quantidades quase idênticas de trabalho em geral: 466 minutos (7,8hrs) e 487 minutos (8.1hrs) por dia, respetivamente. No enquanto 70% do trabalho do homem é formalmente reconhecido enquanto que para as mulheres apenas 44% do seu trabalho é reconhecido.
Então o que é este trabalho que as mulheres estão a fazer e que não está a ser reconhecido e por que é que isso importa?
Limpar, cozinhar, dar apoio aos filhos e assistência à infância são atividades intensivas em termos de tempo e exigem esforço mental e físico, não são remuneradas e são geralmente realizadas por mulheres. Além disto na nossa sociedade envelhecida o apoio aos parentes idosos ou deficientes também é frequentemente realizado por mulheres. O trabalho pago tem sido classificado como “masculino” (“na figura do homem como o ganha pão da família”), o trabalho de apoio e cuidados continuados tornou-se um domínio “feminizado”, e este trabalho tem sido historicamente nedligenciado.
Este trabalho faz parte da “economia de cuidados”, e é vital para o funcionamento do capitalismo. Globalmente, as mulheres são, em geral, responsáveis pelas áreas de apoio familiar (alimentação, vestuário, ensino) à futura força de trabalho. Sem esse capital humano, o sistema colapsa. Mas não há remuneração para produzir e criar os trabalhadores das fábricas de amanhã, técnicos ou banqueiros; Este trabalho de apoio está garantido como gratuito.
Isso tudo pode parecer académico. O trabalho é trabalho independentemente de quem o faz e numa uma sociedade igualitária, certamente vai dar tudo ao mesmo . Mas há impactos muito reais da “invisibilidade” do trabalho feminino.
Quanto mais tempo uma mulher gasta no trabalho não remunerado, mais provável é que ela esteja envolvida em trabalho a tempo parcial ou temporariamente remunerado. Esse trabalho é muitas vezes menos qualificado, mal pago e precário. Vários estudos mostram que, nos países onde as mulheres realizam duas vezes mais trabalho de cuidado do que os homens (por exemplo, Áustria e Holanda), eles ganham apenas 65% do que seus homólogos masculinos ganham pelo mesmo emprego. Muitas mulheres, para quem o trabalho de cuidados são vistos como sua prioridade, estão sujeitas a “desvalorização profissional” em que aceitam trabalho abaixo do seu nível de qualificação e com condições de trabalho mais baixas. Como consequência, elas têm menos oportunidades de alcançar cargos superiores e de gestão. Esta situação torna as mulheres vulneráveis à insegurança financeira e à pobreza. As mulheres com poucos bens pessoais estão em risco de exploração e vulneráveis à violência de género.
Finalmente, não fazer parte do mercado de trabalho tem um impacto mesmo quando uma mulher já se encontra na reforma. Na Alemanha, houve uma grande discussão sobre se as Hausfrauen (donas de casa) deveriam receber uma pensão, independentemente do seu estatuto.
E há muito mais preocupações sobre o perigo de ignorar o trabalho não remunerado na economia. Se o trabalho de assistência não remunerado fosse incluído, o PIB per capita da Itália passaria de 56% do PIB dos EUA para 79%. Tais omissões resultam numa imagem distorcida do bem-estar material dos agregados familiares e da riqueza das sociedades como um todo.
As ideias do Rendimento Básico Universal tal como foi adotado no New Deal do DiEM25, têm a capacidade de corrigir este défice. Ao proporcionar a todos os cidadãos uma renda garantida, as mulheres tornam-se menos dependentes dos parceiros assalariados e, ao reduzir potencialmente o número de horas que as pessoas têm para trabalhar na economia formal, as responsabilidades para o trabalho de cuidados podem ser compartilhadas de forma mais equilibrada.
Infelizmente o nosso New Deal Europeu não menciona o trabalho não remunerado, nem o das mulheres. O DiEM25, como movimento progressivo, que propõe algumas das ideias mais radicais e interessantes na Europa, deve canalizar mais esforços para chamar atenção para a desigualdade económica no que toca aos sexos.
Isto não pode ser só um pequeno aceno à teoria feminista – o DiEM25 deve ter em consideração o género em todos os níveis de sua política e tomada de decisões. O nosso movimento deve avaliar os impactos de todas as suas propostas de políticas tanto nos homens como nas mulheres, e garantir que o género não seja considerado como uma espécie de agregado à política existente.
A um nível mais amplo, é necessário quebrar as normas de género e remodelar o trabalho dos cuidados prestadoss o que em última análise, dará a algumas das atividades mais importantes da humanidade o valor e o status que merecem.
Kate é membro do DSC Gender Equity do DiEM25 1. O DSC temático sobre Equidade de Gênero foi recentemente criado para abordar questões relacionadas com a economia dos cuidados prestados, direitos das mulheres na Europa e equilíbrio de género dentro do DiEM25 em todos os níveis. Se gostarias de estar envolvido no DSC temático, ou para mais informações, envia-nos um e-mail.
Obra: Wilfred Hildonen (Comunicações DiEM25)
[1] Marçal, K. (2012), Who Cooked Adam Smith’s Dinner?, Portobello Books.
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