RBI: libertação da sobrevivência, dignidade pela existência

Junta-te a nós na Marcha Internacional pelo Rendimento Básico Incondicional no sábado, 23 de Setembro, às 15h30 no Porto (Praça da Batalha -> Câmara Municipal do Porto) e em Lisboa (Praça Duque de Saldanha -> Alameda D. Afonso Henriques)

Rendimento Básico Incondicional (RBI), Dividendo Universal, Renda Básica, Universal Basic Income (UBI). Estas são algumas das designações mais usadas recentemente para seguir uma ideia cuja génese é atribuída ao livro “Utopia” (1516) de Thomas More e que foi sugerida pelo político britânico Thomas Paine (1737-1809). Consiste em atribuir um valor individual a todas as pessoas, livre de qualquer obrigação e que seja suficiente para cobrir as despesas básicas da sua vida, permitindo usufruir das condições, designadas pela sociedade actual, como fundamentais para uma vida digna. O ressurgimento desta ideia tem sido visto como uma possibilidade de redistribuição de riqueza e como forma de garantir maior segurança e liberdade, podendo ser uma ferramenta crucial na eliminação da pobreza. A libertação do tempo dos cidadãos, a independência da prioridade de sobrevivência a qualquer custo, a possibilidade de eliminar atividades humanas poluentes que são mantidas apenas para gerar postos de trabalho e a melhoria geral do nível de vida e saúde, podiam originar uma preocupação e consciência social mais alargada, focada num mundo mais sustentável.

A lógica atual que sacraliza o trabalho em detrimento da realização pessoal e social faz com que, necessariamente, sejam criadas funções laborais que acarretam enormes desgastes ambientais, apenas pela necessidade de garantir esse trabalho como fonte de rendimento. Receber um valor básico incondicionalmente pode criar uma libertação desta obrigação, de modo a que seja possível existir maior liberdade na escolha das atividades, independentemente de serem ou não lucrativas. Por consequência, serão certamente criadas menos funções laborais altamente poluentes, que actualmente são criadas única e exclusivamente para gerar postos de trabalho que, muitas vezes, não satisfazem minimamente quem os preenche, precisando apenas de ocupá-los para que possam sobreviver. As necessidades laborais que são exigidas pelo ritmo desenfreado do crescimento económico definem o nosso meio social e constrangem aquilo que as pessoas querem fazer, bloqueando a livre circulação de ideias e criações humanas, priorizando as ideias neoliberais de mercado livre e acumulação ilimitada de capital.

A adaptação de novas tecnologias ao mercado de trabalho e o combate ao desemprego são pensados num sentido de ocupação profissional meramente económico, ou seja, a ideia de que novas técnicas pretendem apenas forjar novas atividades e a lógica de que todo o emprego recém-criado é positivo, constituem o pensamento dominante. No entanto, a perspetiva de que apenas a produção e o capital podem exigir empregos e atualizações tecnológicas, dificulta a melhoria na condição de vidas dos trabalhadores que, mais do que esse estatuto, são cidadãos, mas que são obrigados a adaptar-se a qualquer função que surja, ofuscando possibilidades emancipadoras do ser humano no trabalho e limitando, de forma forçada e castradora, o seu meio social.

A obrigação de ter um trabalho que se designe atualmente como produtivo, para que possa ser remunerado e permitir o mínimo de dignidade, implica graves problemas sociais e que apenas serão resolvidos quando o conceito de trabalho for repensado. A dissociação entre um rendimento básico e o trabalho produtivo pode ser pensada através de um RBI, mas, se a grande maioria dos cidadãos se puderam dedicar apenas a atividades que realmente pretendem fazer, os alicerces do mundo do trabalho podem alterar, modificando também o próprio consumo e pondo em causa algumas “necessidades” criadas pelo modelo produtivo que foi desenvolvido até agora. Neste sentido, aquilo que muitas vezes nos parece importante, podia ser formado pelas nossas atividades mais livres e criativas, garantindo com um RBI, pelo menos, as necessidades abrangentes para a nossa subsistência.

A precariedade laboral está, cada vez mais, presente na vida de grande parte dos trabalhadores e a sua instabilidade tende a aumentar. Com um valor mínimo assegurado para os bens essenciais, funções com uma remuneração digna e boas condições podiam ser exigidas pelos trabalhadores, pois não seriam forçados a aceitar rapidamente um trabalho precário para poder satisfazer as suas necessidades básicas.

Os subsídios atualmente atribuídos pelo sistema de segurança social são uma forma de reação, ou seja, um meio de socorro após a concretização da situação problemática das pessoas, além de obrigar a uma exposição pouco digna e a um esforço por parte de quem os recebe de voltar a ter qualquer tipo de trabalho, independentemente da sua vontade e consistem em valores demasiado reduzidos para garantirem segurança. Um rendimento básico atribuído a todos os cidadãos proporciona que o valor surja incondicional e antecipadamente, garantindo uma rede de segurança prévia, que permite a qualquer pessoa agir com maior liberdade, com mais tempo para descobrir o que pretende fazer e com uma maior independência e amplitude do tipo de trabalho que pretende realizar, criando-se a possibilidade de desenvolver laços solidários mais fortes e um maior sentido de comunidade. Neste sentido, presume-se que com um maior número de pessoas realizadas nas suas atividades e com menores pressões exercidas pelo custo de vida crescente, certamente as relações sociais serão também mais harmoniosas.

Um movimento pelo rendimento básico incondicional pode inserir-se e acompanhar todos os movimentos sociais com objectivos emancipadores, como os movimentos feministas, LGBTQIAP+, as assembleias de cidadãos, a luta contra a crise climática e movimento ecologistas, defensores do decrescimento ou economia circular, assim como apologistas de uma mudança educacional e no sistema de ensino. O RBI é transversal em todos estes campos, pois, além do conceito central da redistribuição, o seu objetivo é proporcionar uma maior liberdade a todas as pessoas, de forma a poderem perseguir as suas causas e interesses sem o maior dos obstáculos, a necessidade de arranjar continuamente soluções para a sua sobrevivência.

Será certamente um desafio conseguir implementar um novo direito humano que garanta à nascença as condições mínimas de uma vida digna, mas uma alteração de paradigma económico que traga uma equidade abrangente, num futuro que liberte todo o potencial humano, valerá todo o esforço e a sua estrutura precisa de começar a ser desenhada. A proposta recente da ministra espanhola Yolanda Díaz que garante um valor substancial a qualquer jovem para investir num projeto, designada Herança Universal, parece ser um excelente exemplo daquilo que pode vir a ser um rendimento básico incondicional e universal, pois garante a qualquer jovem a possibilidade de emancipação e escolha livre do que pretende fazer com o seu futuro. Existem, certamente, outras medidas sociais que teriam de ser conjugadas com esta ideia, algumas das quais seriam relacionadas com o sistema de ensino e as próprias dinâmicas sociais, de forma a surgirem novas perspetivas e atitudes perante as escolhas educativas e profissionais, uma alteração gradual, mas estrutural, da nossa relação com o sistema financeiro, e uma vasta expansão na ótica daquilo que são consideradas funções produtivas. É fundamental existir um maior equilíbrio entre a liberdade individual e o meio social, considerando que, com a luta pela sobrevivência posta de parte, a exploração entre seres humanos seria largamente atenuada.

Há diversas possibilidades sugeridas por cientistas sociais, nem todos apologistas de um RBI, mas com ideais redistribuidores, para uma possível arrecadação de um valor que permitisse uma distribuição económica mais equitativa, sendo elas: impostos mais progressivos; a taxação universal de heranças; uma maior fiscalização e taxação internacional das grandes fortunas; os impostos Pigouvianos (que defendem que as externalidades negativas dos negócios, como por exemplo a poluição, sejam taxados nos impostos cobrados); e mesmo a tese que destaca que a Terra é de todos os seus habitantes e que, em parte, questiona assumidamente a primazia da propriedade privada perante outros direito humanos que poderiam ser priorizados e que, dessa forma, implicariam a atribuição de um valor individual a toda a humanidade pela utilização de recursos naturais pertencentes a todos (como existe atualmente no Alasca a distribuição de lucros provenientes da exploração petrolífera). No entanto, a possibilidade do valor atribuído ter uma essência dinâmica revela ter uma importância fundamental, pois os valores daquilo que se pode designar como “básico” oscilam consoante a época, o local e as possíveis inflações, podendo neste caso ser definido, por exemplo, como um valor variável que abrangesse no mínimo: Alimentação, Habitação, Vestuário e Mobilidade.

O RBI está a gerar uma saudável discussão mundial entre economistas, académicos, activistas e cidadãos em geral interessados em inovações sociais que têm em vista o desenvolvimento humano e o seu potencial transformador pode vir a ser uma séria possibilidade de resolução das atuais fragilidades económicas à escala global, podendo sugerir importantes reflexões sobre o papel social do próprio sistema monetário. Os testes-piloto realizados deram já a entender o seu potencial e existem cada vez mais iniciativas para que sejam feitas experiências em diferentes partes do mundo.

É possível reunir já algumas obras atuais e autores de referência mundial que defendem esta medida, tais como Philippe Van Parijs, Guy Standing, Yanis Varoufakis ou David Graeber, sugerindo formas, benefícios e argumentos dificilmente contestáveis na sua desejabilidade e possibilidades de aplicação.

Para muitos teóricos e entusiastas desta ideia, não se trata de questionar a possibilidade de vir a existir um RBI, pois isso será quase certo. A grande questão é começar a pensar que RBI pretendemos implementar e, para isso, está na altura de começar a expandir a ideia por todas as classes sociais, forças políticas, movimento sociais e por todas as pessoas que acreditam que um mundo mais livre e justo é possível. Desta forma, garante-se que se trata de um reforço às conquistas do estado social conseguidas até agora e não de uma tentativa neoliberal para o seu desmantelamento, até porque, atualmente, a grande maioria dos movimentos, forças políticas e académicos que defendem a sua aplicabilidade pertencem à esquerda, revelam amplas preocupações sociais e são apologistas de fortes causas ambientais.

O Rendimento básico incondicional pode ser perspetivado como uma pré-distribuição da riqueza e, acima de tudo, como um voto de confiança na humanidade, podendo ser o próximo grande direito humano a conquistar.

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