As ‘regras europeias’ são o escudo e a espada da nossa elite falhada

A propósito do próximo 25 de abril, o DiEM25 em Portugal convida-vos para o debate “Economia e Liberdade: podemos ser livres no sistema capitalista?” na segunda-feira 8 de maio, às 20h30. Mais informação aqui

Se pudéssemos perguntar aos responsáveis colectivos pelos governos de Portugal nas últimas décadas porque se deixaram os professores e as escolas definharem dramaticamente, porque se deixaram os profissionais de saúde e os hospitais à beira da rutura completa ou porque é que o custo da habitação é para tanta gente hoje uma quimera quase impossível de comportar, será extremamente provável ouvirmos que não se pode fazer mais, melhor ou diferente devido ‘às regras europeias’.

Regras europeias quando utilizadas neste contexto são um eufemismo que geralmente pode ser traduzido na presumida necessidade de conter custos orçamentais, ou seja austeridade. Por outro lado ‘as regras europeias’ também servem para nos explicar porque é que não se pode fazer nada sobre o facto de que todas, ou quase todas, as empresas cotadas na bolsa portuguesa terem sede fiscal direta ou indiretamente nos países-baixos, roubando o erário público nacional de centenas, senão milhares, de milhões de impostos devidos anualmente.

Outro caso flagrante onde estes diktats da UE serviram de cobertura a uma transferência massiva de riqueza de baixo para cima é o crime nacional do desbaratamento da área empresarial do estado: EDP, REN, GALP, Brisa, Portugal Telecom, CTT, ANA, a lista parece interminável. Incentivadas por uma ortodoxia radical de Bruxelas proponente do mercado livre, foram executadas privatizações, largamente de monopólios naturais, que alienaram preciosas receitas do tesouro público e pior, acrescentaram-lhe pesadas verbas de despesa através das rendas entregues de bandeja à oligarquia nacional e internacional através das justamente infames PPPs.

Para o político que discursa publicamente, na prática, muitas vezes não é relevante se tais regras europeias estão de facto formalizadas na lei comunitária, ou se existem apenas informalmente. Por vezes o apelo à regra virtual é mais consequente do que a uma real. E a UE e as suas instituições são bem conhecidas pela sua falta de transparência e reduzida legitimidade democrática. 

Há cada vez menos na mentalidade política colectiva uma noção própria de serviço público. Na óptica da nossa casta política elitista a coisa pública deve ser olhada, lida e gerida como uma coisa privada. As atribulações sobre sinecuras e óbvias ingerências políticas no caso TAP, que resiste em desaparecer das televisões, parecem ter sido fabricadas propositadamente para contrabandear para a nossa consciência colectiva a ideia que a gestão pública de seja o que for é um conceito falhado.

Nesta constelação artificial e radicalmente ideológica das supostas neutras e tecnocráticas regras europeias, quem ganha são os interesses corporativos instalados que ano após ano vêem novos membros juntar-se às suas alas: 2021 viu criados em Portugal 20.000 novos milionários, o mesmo ano em que a inflação voltou a mostrar a sua face, e 1 em cada 5 portugueses viram o seu rendimento diminuído devido à pandemia.

É uma tragédia histórica que tantos dos ainda existentes coletivos, movimentos e partidos da dita esquerda europeia, assistindo à formação duma internacional nacionalista, isolacionista, etnicista e conservadora, que ano após ano estreita laços em volta de um programa reacionário conjunto, paracem sempre mais preocupados em manter o seu quinhão político paroquial ou nacional, do que em unir forças para colectivamente criar uma nova constituição de regras europeias que sirva a maioria e não a minoria.

É por isto que o DiEM25 tem a ideia correcta: apenas juntos como europeus progressistas conseguiremos transformar o consenso europeu duma arma de arremesso e chantagem que protege os ricos e poderosos, para um novo conjunto de regras, democraticamente legitimadas, que possam ser o nosso fiel da balança no que toca a enfrentar os desafios políticos e econômicos gargantuescos que se nos afiguram no horizonte.

Miguel Gomes
Pela Coordenação do DiEM25 em Portugal

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