O Dia da Liberdade já não encarna o que outrora representava, é mais um aviso severo dos valores em declínio da democracia em todo o continente, escreve Davide Castro.
25 de Abril de 1974, a Revolução dos Cravos – uma data em Portugal onde todos nós saímos à rua para celebrar algo que já não temos: a democracia. Como gostaria que festejássemos vitórias em vez de perdas. Agora parece apenas uma memória distante, que acarinhamos por nostalgia de tempos passados, inclusive por aqueles que nunca experimentaram a transição da ditadura para a democracia.
A nossa democracia foi desfigurada de propósito. Por um sistema e por líderes que precisavam dela para obter o poder.
Mas este sentimento não é exclusivo a Portugal. Basta olhar para a situação política atual na Europa para perceber que cada transição que aconteceu no continente foi usurpada em nome do lucro, prejudicando cidadãos de todo o lado.
No entanto, alguns insistem que nunca tivemos nada melhor, apesar da extrema-direita se ter tornado a terceira maior força política em Portugal; tal como no governo de coligação na Áustria e em Itália; subiu ao poder em países como o Brasil, e esteve perto de governar um país como a França. Os exemplos são mais que muitos.
Mas terá isto acontecido por acaso, por pura coincidência, ou será que o podemos explicar com causa e efeito? Um sistema antigo, arcaico e ousado por todas as razões erradas, substituído por um sonho que nunca se materializou no que representava.
A emoção e o impulso da época eram sem dúvida reais, mas caímos num sonho de um mundo melhor, em vez de o construirmos de facto. E neste novo mundo, um mundo falso, dominado por forças que conspiram contra os poucos, não precisamos de teorias conspiratórias para nos explicar a nossa situação difícil. São as conspirações muito reais que não devemos ignorar.
É como se estivéssemos presos a um estado de sonho do qual não podemos sair porque as sociedades construídas com um nível pouco saudável de individualismo são sociedades desumanas que não têm em conta a essência do que significa ser humano. E isto é algo que nos diz respeito a todos, especialmente aos mais desfavorecidos. Aqueles para quem este sistema não é como viver num estado de sonho, mas sim como viver num pesadelo.
Vivemos num sistema que nos diz para não olharmos para cima, para não questionarmos aqueles que estão no poder, onde somos ativamente encorajados a lutar para nos tornarmos [o 1%], se pelo menos trabalharmos o suficiente. Ao fazê-lo, não olhamos para baixo; para reconhecer a existência de outros, para quem a ideia de olhar para cima é simplesmente um pensamento ridículo que não reflete a realidade. E aqui reside a luta: romper com este estado de sonho para que permaneçamos conscientes da luta de classes.
Uma vez os bastiões da liberdade e da emancipação, a esquerda sucumbiu tristemente a uma nova forma de totalitarismo. Uma que coloca a igualdade sobre a liberdade. Mas não podemos conceber uma sociedade progressista, a menos que coloquemos a liberdade no mesmo patamar que a igualdade. Porque a igualdade sem liberdade é simplesmente uma ditadura.
Se lutamos pela igualdade social, devemos também lutar pela igualdade económica. O enorme fracasso desde o início do capitalismo tornado meramente financeiro tem sido o de aceitar o primeiro e negligenciar o segundo. Por isso, não nos devemos surpreender com a ascensão da extrema-direita ao longo das últimas décadas. Afinal de contas, temos sido governados por partidos centristas e os chamados partidos de esquerda, que têm estado demasiado felizes por gerir o sistema em vez de o transformarem. Sob um sistema que afasta os indivíduos, que nega as possibilidades de livre troca, que asfixia os espaços públicos. E assim a situação política só se deteriora.
Em 2004, o Prémio Nobel português, José Saramago escreveu que devemos questionar o sistema existente de “democracia” em todas as oportunidades e acrescentou que, se não o fizéssemos, não só o perderíamos para sempre, mas também não existiria qualquer esperança de ver um dia os direitos humanos respeitados na Terra.
Avançamos rapidamente até 2022 e não só perdemos a democracia para um sistema de oligarquia, como também estamos a ver os direitos humanos espezinhados em todo o lado. E no entanto, a maioria de nós ainda se refere a este sistema como “democracia”. Mesmo quando a democracia em que vivemos foi raptada, condicionada e amputada. Neste sistema, o poder do cidadão na esfera política é limitado à remoção de um governo de que não gostamos e à sua substituição por outro de que possamos vir a gostar mais.
Mas as decisões importantes são tomadas noutra esfera. Por oligarcas que não querem saber de ti nem de mim. Por isso, ao reconhecermos a alienação do sistema que permitimos que nos consumisse, começamos a pensar em formas através das quais possamos lutar. Com a extrema-direita a subir por todo o lado, com as políticas dos líderes do Estabelecimento a alimentarem essa subida, a única resposta é organizarmo-nos. Para que não permitamos que a extrema-direita ganhe poder e repita os horrores de décadas passadas.
Em vez de celebrarmos o 25 de Abril por nostalgia daquilo que ele representava, lutemos para quebrar os grilhões a que nos habituámos. Para nos tirar deste estado de sonho e alcançar um mundo verdadeiramente livre e igualitário. Não temos muito tempo.
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