Estou à espera que chegue o dia em que a data 8 de março evoque apenas recordações nas pessoas mais velhas. Espero que isto talvez o choque.
Não deveria no entanto ficar chocada. Se os meus desejos se concretizassem, isso significaria que um dia especial do calendário dedicado às mulheres seria algo tão bizarro como celebrar o “dia dos homens”. Antes de mais, é bom recordar que nem todos salientam o facto de o nome formal deste dia ser o Dia Internacional dos Direitos das Mulheres. Para começar as mulheres, onde quer que se encontrem, deveriam ter os mesmos direitos que os homens. Ambos os sexos deveriam reconhecer que a luta pelos direitos nunca está terminada e que os direitos adquiridos podem ser revogados, num curto espaço de tempo, quando a vigilância vacila.
Sonho que o 8 de março se torne um dia normal, porque isso significaria que os direitos das mulheres seriam então finalmente iguais aos dos homens. Também gostaria de ver as marchas do Orgulho Gay consideradas ultrapassadas – algo tão estranho como organizar marchas para celebrar o Orgulho Heterossexual, com carros alegóricos e vestidos extravagantes. Contudo, precisámos de ambos, dos direitos da mulheres e dos homossexuais, dos direitos dos negros, dos imigrantes … porque a luta para os tornar “simplesmente comuns”, um facto da vida, está longe de estar ganha.
Hoje, temos de continuar a celebrar dias especiais, com marchas e palavras de ordem, de modo a dar visibilidade às injustiças. O Dia de Martin Luther King é um feriado nacional relativamente recente, nos Estados Unidos, e coloca justamente o destemido Dr. King, ao mesmo nível dos maiores Presidentes americanos, uma honra amplamente merecida. Ele foi assassinado por causa das suas convicções e por tudo o que fez a favor dos direitos das pessoas negras, também conhecidas por “pessoas de cor”. Seja qual for o nome que se lhe queira chamar, deveriam ser apenas “pessoas”, porque são seres humanos com a mesma dignidade e merecem os mesmos direitos de qualquer outro ser humano.
O Dia de Colombo é um feriado dos Estados Unidos bem mais problemático. Na escola primária, aprendemos que Cristovão Colombo “descobriu a América”, ponto final! Ele sabia que a Terra era redonda e pensou que poderia alcançar a Ásia e, deste modo, inaugurar possíveis rotas comerciais. A viagem tinha como propósito o comércio e as trocas comerciais, ou seja, o dinheiro. Ninguém nos disse que a nossa visão do explorador era muito limitada. Visto que ele não chegou à Ásia, acabando por tropeçar em território desconhecido, Colombo deveria ser conhecido como o primeiro de inúmeros colonizadores. Assim, é bom saber que nos Estados Unidos, desde 1977, cada vez mais cidades, celebram o “Dia dos Povos Indígenas”. Não é suficiente, é certo, para compensar todos aqueles Povos Indígenas, incluindo os Nativos Americanos, mortos durante a colonização, mas trata-se de um avanço em relação ao “Dia de Colombo”.
Regressemos ao dia 8 de março. Em França, onde tenho vivido toda a minha vida adulta, a cada 8 minutos, uma mulher é vítima de violação, ou de tentativa de violação. Quase nenhum dos seus agressores é capturado ou condenado à prisão. Cada três dias que passa uma mulher é morta pelo seu companheiro, ou ex-companheiro, por um homem. Do ponto de vista económico, o panorama não é melhor: as atividades económicas em que as mulheres predominam são as mais mal pagas, sem falar do trabalho doméstico, que nem sequer é pago. Os recursos das mulheres reformadas são, em média, apenas 40% do dos homens. “Remuneração igual para trabalho igual” é uma fantasia: as mulheres ganham, em média, 25% menos que os homens. A maioria do trabalho a tempo parcial – feito por escolha ou necessidade – é atribuído às mulheres e a famílias mono parentais, e podem adivinhar quem é o parente, nove em cada dez vezes.
Façamos agora um salto quântico. Estamos em 2035, uma data que não é tão longínqua, quanto possa parecer, e estamos a olhar para o passado. É claro que tudo isto parece óbvio, gritantemente injusto. Afortunadamente, todas estas injustiças tiveram o mesmo destino que os bárbaros, que enviavam devedores para as prisões e crianças menores trabalhar nas minas. No dia 8 de março, aquilo porque as nossas mães e avós celebraram e lutaram, seguiu o mesmo caminho das sufragistas e do tempo em o aborto era ilegal, e os contraceptivos difíceis de obter. Hoje, temos as leis necessárias, normais. As empresas não ficam impunes, se pagarem às suas trabalhadoras menos do que aos homens, e os violadores são julgados de forma expedita, nos tribunais criminais, com toda a força da lei.
Hoje, podemos olhar para trás e ficarmos agradecidas pelo facto das mulheres serem promovidas e escolhidas para diferentes cargos, baseada inteiramente nas suas qualificações, sem referência ao género. Houve alturas em que, mesmo no movimento nascente dos homens que procuravam ser feministas, quando algum deles nos convidava para participar e falar nos seus eventos, diziam candidamente que “precisavam de uma mulher”. Estavam bem intencionados, mas as mulheres que queriam ser escolhidas pelo seus méritos, viam-se forçadas a responder, “então não serei eu”.
Hoje, graças à enorme onda de sofrimento escondido, sentimentos de culpa, vergonha e raiva, que começou em 2017-18, podemos olhar para trás, para o tempo em que a vítima de assédio sexual, mesmo de violação, tinha medo, ou vergonha de falar. Sabemos hoje que somos ouvidas, que acreditam no que dizemos e que os homens pensam duas vezes, antes de cometerem tais atos, com medo de perderem o seu trabalho e estatuto. Vale a pena lembrar agora, que o poderoso produtor de cinema, Harvey Weinstein, objeto das primeiras denúncias, que foi obrigado a declarar a bancarrota da sua empresa, poucos meses depois da primeira mulher o ter denunciado. São poucos os homens hoje que desejam juntar-se a ele….
Naturalmente, nós, na Europa, ainda estamos longe, no que às mulheres diz respeito, de outras partes do Mundo, mas algumas barreias estão a cair. O movimento é verdadeiramente global e mais forte, de ano, para ano.
Deixem-me concluir esta breve divagação pelo futuro. Espero que tenha ficado claro porque darei as boas-vindas a um dia 8 de março obsoleto, a não ser para comemorar … tantos esforços, tantas lutas. Prefiro acreditar que as mulheres irão provocar muitas mais mudanças sociais, culturais, económicas e legais. Que, em todo o Mundo, elas podem ser lutadoras e que os homens, a maioria dos homens, irão lutar com elas. Quero acreditar que a polícia, os tribunais, os legisladores, todas as autoridades e a sociedade em geral irão considerar os crimes e discriminações contra as mulheres, tão graves como qualquer outro crime tipificado nos códigos legais, e que nenhuma mulher nunca mais ficará exposta à retaliação, ao ridículo e ao medo apenas porque pede justiça. Quero acreditar que as mulheres que hoje vivem em culturas que exigem a sua subserviência conseguirão conquistar a sua liberdade.
Vamos celebrar o dia 8 de março quer como um dia que marca um progresso considerável, este ano, mas também como um dia especial destinado a desaparecer, porque continuaremos a lutar, em todo o lado, qualquer que sejam as adversidades, até conseguir igualdade, respeito e dignidade genuína.
Susan George é presidente do conselho da administração do Transnational Institute e membro do Painel Consultivo do DiEM25.
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