O meu 25 de abril vai ser sempre assim

Não me lembro de um 25 de Abril sem cravos ou desfile na Av. da Liberdade e, desde o desaparecimento do meu pai, é essa a flor que lhe levo quando o vou celebrar. Mas não foi com ele em vida que descobri a razão mais forte da tamanha ligação a este dia, que marcou a geração dos meus e de tantos outros pais, avós e filhos que viveram o fim da ditadura salazarista, a Revolução do 25 de Abril e esta década tão especial dos anos 1970. E foi apenas hoje, a 23 de Abril de 2021, que consegui que o Capitão de Abril Vasco Lourenço e o Coronel João Andrade da Silva me confirmassem a veracidade destes factos.

Foi assim. O Movimento das Forças Armadas, que desencadeou a Revolução do 25 de Abril em Portugal, organizou secretamente missões que levariam à detenção de comandantes. As senhas para ativar estas missões passariam encapsuladas pela rádio em horas e locais combinados previamente num minucioso plano. A primeira senha anunciada na rádio marcou a história e a cultura portuguesas com uma música que até as crianças de hoje sabem cantar. Para mim, essa música tem um som muito diferente.

A primeira missão estava prevista para o dia 24 de Abril, às 22h55, na Escola Prática de Artilharia, em Vendas Novas (EPA). A esta hora, o locutor de rádio João Paulo Diniz da estação Emissores Associados de Lisboa, anunciou: “Faltam cinco minutos para as vinte e três horas. Convosco, Paulo de Carvalho com o Eurofestival 74 E Depois do Adeus.

O irmão do meu pai, o então Tenente Pedro Manuel Lopes de Sales Grade, estava na Escola Prática de Artilharia, em Vendas Novas (EPA). E foi o seu quarto que foi escolhido para que um grupo de oficiais do movimento ficasse à espera da primeira senha: a música E depois do Adeus.

Talvez o meu tio, conhecido por ser o maior pacifista do exército português, quisesse ficar por aqui: sentir a importância de terem escolhido o seu quarto como porto seguro para os oficiais que ficariam conhecidos pela detenção dos comandantes. Mas foi exposto a um momento de verdade: e arriscou. 

O destino fez com que, pela ausência, à última hora, de um dos oficiais convocados para esta missão, o meu tio fosse resgatado para fazer parte do grupo de oficiais que deteria os comandantes de artilharia ali presentes. Ficou então na história como o Tenente Pedro Sales Grade que deteve o 2º Comandante  Tenente-Coronel João Manuel Pereira do Nascimento. Ao vê-lo, o 2º Comandante surpreendeu-se com a sua presença dizendo “Também um Sales Grade está metido nisto!”, tendo o meu tio respondido: “As circunstâncias assim o exigem, meu comandante!”, atitude justificada em alguns relatos pelo facto do meu tio praticar yoga (em 1974!) e recusar qualquer tipo de violência.

Da esquerda para a direita: Brigadeiro Sales Grade (avô), José Sales Grade (pai), Maria Luísa Sales Grade (avó) e Tenente Pedro Sales Grade (tio). 

Ouvi sempre uma história contada pelo meu pai, que essa não poderei aprofundar com factos históricos. Mas ao que consta, tentaram prender o meu avô, que era Brigadeiro na altura. Mas alguém de repente percebeu: “É o pai do Sales Grade!” E foi assim que o meu avô, já na altura conhecido como um homem de esquerda, acabou por não ir parar à prisão.

Não há dia para mim que possa juntar tantas emoções como o dia 25 de Abril: a conquista da liberdade, da democracia, do início da luta por uma sociedade mais justa, valores estes sempre presentes no meu dia-a-dia em família, tendo passado anos sem saber esta história, que viria a tornar todo e cada minuto do 25 de Abril num momento de verdadeiro orgulho, não só pelo meu tio, como por todos os que tiveram a coragem de fazer parte da mudança, com todos os riscos que essa coragem implica. E em grande parte é esta a coragem que se vive aqui, no DiEM25. 

P.S. o meu tio tem hoje 74 anos e ainda pratica yoga.

 

 

 

 

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