A COP26 está condenada, e a promessa vazia da neutralidade carbónica é o problema

“Não se deixem enganar, o dinheiro está cá, se o mundo quiser utilizá-lo”, disse Mark Carney, o ex-governador do Banco da Inglaterra que hoje atua como enviado climático da ONU, ao mesmo tempo que representa uma aliança de banqueiros, sentados numa pilha de 130 biliões de dólares em ativos. Então, o que quer o mundo? Se a humanidade tivesse o poder de organizar um referendo global com um voto por cada ser humano, este resultaria indubitavelmente numa resposta clara: “Façam o que for necessário para pararmos já com as emissões de carbono!” Em vez disso, temos um processo de tomada de decisão que culmina no fiasco colossal que ocorre neste momento em Glasgow.

O fracasso da Cop26 reflete o fracasso das nossas democracias, em ambos os lados do Atlântico. O presidente Biden chegou a Glasgow, ao mesmo tempo que em Washington era aprovado o seu programa para a infraestrutura no Congresso – um exercício que desvinculou o projecto de qualquer investimento sério em energias renováveis e financiou uma série de infraestruturas emissoras de carbono, como estradas e aeroportos ampliados. Entretanto, na União Europeia, a retórica pode parecer pintada de verde brilhante, mas na realidade trata-se de um castanho escuro – mesmo a Alemanha anseia por grandes quantidades de gás natural russo, em troca da luz verde dada à construção do gasoduto Nord Stream 2. A UE deveria estar a criar uma União Pan-Europeia para as Energias Renováveis, mas infelizmente os nossos líderes nem sequer estão a debater tal ideia.

Existem três razões pelas quais o Cop26 está a revelar-se um desastre tão espetacular. A primeira razão é um problema de ação coletiva em todo o planeta. As grandes empresas, bem como os Estados, seguem a oração de Santo Agostinho: “Senhor, por favor, faz-me casto, mas não agora”. Toda a gente prefere um planeta em que ninguém emita carbono a um planeta que chia. Mas todos preferem também atrasar o pagamento do custo da transição, se conseguirem safar-se. Se o resto do planeta fizer a coisa certa, o planeta será salvo, mesmo que egoisticamente adies a tua conversão à probidade ambiental. E se o resto do planeta não a fizer, que serve sermos o único idiota que cumpre?

A segunda razão é uma falha de coordenação global. De certa forma, Carney está correto: existem montanhas ociosas de dinheiro no sistema financeiro global, sendo que os seus proprietários ultra-ricos estão ansiosos por investi-lo em atividades de mitigação do carbono. Mas um investimento privado em, digamos, hidrogênio verde, só terá retorno se muitos outros investidores investirem nele também – e assim todos os investidores ficam sentados, à espera que os outros sejam os primeiros. Enquanto isto acontece, corporações, comunidades e estados entram neste jogo de espera, não querendo correr o risco de se comprometer com o hidrogênio verde até que a alta finança o faça. Tragicamente, não existe um coordenador global para conjugar o dinheiro, tecnologias e necessidades existentes.

A terceira razão é simples: o capitalismo. Este sempre ganhou ritmo através da mercantilização incessante de tudo, começando com a terra, trabalho e tecnologia, antes de se espalhar para organismos geneticamente modificados e até mesmo o útero de uma mulher ou um asteroide. À medida que o seu reinado se espalhou, bens sem preço transformaram-se em mercadorias caras. Os proprietários das máquinas e da terra necessária para a mercantilização dos bens lucraram, enquanto todos os outros progrediram da miséria da classe trabalhadora do século 19 para as fantasias tranquilizantes do negligente consumismo pequeno-burguês.

Tudo o que era bom foi mercantilizado – incluindo uma grande parte da nossa humanidade. E as más externalidades que o mesmo processo de produção gerou foram simplesmente lançadas na atmosfera. Para fornecer energia à máquina capitalista, o carbono armazenado durante milénios nas árvores e por baixo da superfície foi saqueado. Durante dois séculos, uma riqueza imensa – assim como uma correspondente miséria humana – foi produzida por processos de exploração que esgotaram o capital natural “livre”, em particular o carbono. Trabalhadores de todo o mundo pagam agora à natureza o custo que o mercado capitalista nunca suportou.

Os defensores do mercado livre gostariam que acreditássemos que os negócios cederam agora à ciência e estão prontos e dispostos a entrar no vácuo da inação governativa. Não devemos acreditar nisso, nem por um momento. Sim, Carney está certo ao dizer que o dinheiro para a tardia transição verde está disponível e é amplo. Aqueles que o possuem, sem dúvida, investirão para fornecer, digamos, hidrogénio verde se nós, a sociedade, lhes pagarmos para que o façam. Mas, ao mesmo tempo, é certo que não interromperão voluntariamente os processos de produção que continuam a libertar carbono na atmosfera.

É por isso que os poluidores adoram metas como a neutralidade carbónica: porque são uma cobertura brilhante para não restringir as emissões. Em troca de compensações não verificáveis, podem assim continuar o saque ao carbono armazenado que resta no planeta, até chegar o ponto em que o seu custo marginal supere a receita da última unidade vendida. Ao colocar cinicamente o foco na neutralidade carbónica, a Cop26 tornou-se em nada mais do que um dispendioso encobrimento para as contínuas emissões tóxicas. Escondidos pela Cop26, os “grandes da terra” mentem aos jovens, mentem às pessoas vulneráveis e até mesmo a si próprios, repetindo a verdade de que o “dinheiro está lá” para ser investido na salvação do planeta.

O que precisamos de fazer? No mínimo duas coisas. Primeiro, uma paralisação completa das minas de carvão e novas plataformas de petróleo e gás. Se os governos puderam prender-nos em casa para salvar vidas durante uma pandemia, podem também fechar a indústria de combustíveis fósseis para salvar a humanidade. Em segundo lugar, precisamos de um imposto global sobre o carbono, para aumentar o preço relativo de tudo que liberta mais carbono, a partir do qual todos os rendimentos perdidos deverão ser devolvidos aos membros mais pobres de nossa espécie.

Para ter a oportunidade de enfrentar o maior desafio com que a humanidade já se deparou, devemos confrontar primeiro os financiadores e proprietários das indústrias de combustíveis fósseis. Embora esse confronto não garanta o nosso futuro, é uma condição necessária para que o tenhamos.

Este artigo foi publicado originalmente no jornal The Guardian.

Fotografia da autoria de Piyush Priyank em Unsplash.

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